Foucault e os poderes da sociedade

Em suas obras, Foucault – um filósofo pós-moderno – faz uma leitura sobre o poder. Ele analisa diversas instituições sociais como a prisão, os hospitais, a escola, a família, a Igreja e etc…
Segundo ele, vivemos em uma rede de poderes, onde cada instituição trabalha de maneira à docilizar os indivíduos, inserindo neles informações e maneiras de pensar que sejam pertinentes ao governo instituído na época.
Numa análise minuciosa das prisões européias, por exemplo, Foucault alega que “Todas as violências e arbitrariedades são possíveis na prisão, mesmo que a lei diga o contrário, porque a sociedade não só tolera, mas exige que o delinqüente sofra”. Foucault busca estudar as relações de poder fora da concepção do Estado. O filósofo não acreditava que a dominação e o poder sejam propriedades de uma única fonte – como o Estado ou as classes dominantes –, mas que são exercidos em diferentes direções, cotidianamente e em diversas escalas.
Com a descoberta de que o corpo poderia ser um objeto e alvo de poder, há uma reforma no sistema carcerário europeu e a disciplina surge como metodologia para o controle meticuloso dos corpos, supondo que quanto mais dóceis estes forem, mais úteis eles serão para servir aos propósitos do Estado. Essa docilização acontece não somente de forma física, mas opera também nas consciências. Isto explica o porquê Foucault afirma que o corpo humano é alvo pela prisão de adestramento e aprimoramento e não de mutilação e suplicias.
A docilização do corpo tem uma vantagem social e política sobre os castigos corporais, porque este enfraquece ou destrói os recursos vitais. Já a docilização torna os corpos produtivos. A invenção-síntese desse processo, segundo Foucault, é o panóptico, uma forma de controle. Segundo Foucault “[…] o Panopticon era um edifício em forma de anel, no meio do qual havia um pátio com uma torre no centro. O anel se dividia em pequenas celas que davam tanto para o interior quanto para o exterior. Em cada uma dessas pequenas celas, havia segundo o objetivo da instituição, uma criança aprendendo a escrever, um operário trabalhando, um prisioneiro se corrigindo, um louco atualizando sua loucura, etc. Na torre central havia um vigilante. Como cada cela dava ao mesmo tempo para o interior e para o exterior, o olhar do vigilante podia atravessar toda a cela; não havia nela nenhum ponto de sombra e, por conseguinte, tudo o que fazia o indivíduo estava exposto ao olhar de um vigilante que observava através de venezianas, de postigos semicerrados de modo a poder ver tudo, sem que ninguém ao contrário pudesse vê-lo. […]”
Para o filósofo, a sociedade na qual vivemos é uma sociedade panóptica, nesse contexto a idéia de que os indivíduos seriam mais produtivos se tratados de maneira pacífica é projetada em todas as instituições existentes, criando um poder disciplinar dentro de cada âmbito social, esse poder é exercido para conter as pessoas, vigiá-las constantemente e por meio dele o saber é introduzido. O conceito definidor da modernidade, segundo Foucault, é a disciplina – um instrumento de dominação e controle designado a suprimir ou domesticar as condutas divergentes.
A escola é uma das instituições de maior importância segundo o filósofo, é uma das “instituições de seqüestro”, como o hospital, o quartel e a prisão. São locais onde os indivíduos são inseridos e internados durante um tempo para que seus comportamentos e pensamentos sejam formatados.

Outra base do pensamento Foucaultiano é a biopolítica que, por definição, seria a evolução da sociedade de controle, o poder disciplinar completamente inserido na população.
O sustentáculo da biopolítica é a preservação da vida. O Estado que exerce esse tipo de política potencializa a vida da população com políticas de saneamento, gestão da saúde, da higiene, da habitação, das ruas e avenidas, da alimentação, da natalidade, da sexualidade, da expressão, das trocas econômicas, da segurança e de tudo que beneficiar a existência da sociedade. Com a vida potencializada, surgem argumentos que legitimam a supressão de outras vidas para a manutenção do bem estar coletivo.
A pergunta que surge é: Como a guerra continua sendo possível quando vivemos num Estado que tem como objetivo a proteção da vida? – a resposta é simples: não é a vida de todos que o Estado biopolítico procura proteger e sim, de uma minoria conexa a seus interesses, Foucault diria: “trata-se de fazer viver e não deixar morrer a população”.

Um diálogo sobre Marx

Em seu texto “O capital”, Marx se propõe a analisar a mercadoria, enquanto forma elementar da produção capitalista. Observando-a sob dois pontos de vista: seu valor de uso e seu valor de troca. A partir de tal analise e observando a realidade atual, entende-se parte do processo da desigualdade social.

O valor de uso de cada mercadoria corresponde à sua existência palpável, ou seja, como “uma coisa qualquer” que supre determinada necessidade, de modo que seu valor de uso só tem valor para uso, “se efetiva apenas no processo de consumo”.

A partir do momento em que se pode trocar uma mercadoria por outra, temos uma relação econômica determinada, na qual valores de uso são trocáveis entre si. Aqui surge uma contradição pois a mercadoria deixou de caracterizar-se por seu valor de uso, sua utilidade não é mais para aquele que a produz, e sim para outra pessoa. O valor de uso torna-se então a base material para se determinar seu valor de troca. Quando se troca duas mercadorias de naturezas diferentes é preciso estipular quanto de uma mercadoria equivale a tanto da outra; Marx afirma que o valor de troca corresponde ao tempo gasto na produção daquela mercadoria. Dessa forma, o próprio trabalho passa a ser uma mercadoria, que agrega valor a outra mercadoria.

Do ponto de vista do sistema, uma vez que se troca mercadorias com base no tempo gasto em sua produção, não importa a qualidade em si deste trabalho, importa apenas que se tenha gasto o mesmo tempo na produção de ambas. Assim, o trabalho recebe um caráter social, qualifica-se como um trabalho simples, geral, abstrato, e não mais como um trabalho concreto, que produz um objeto específico, e portanto fonte de valor de uso. O artesão, o ferreiro, o lavrador já não se diferenciam mais, são apenas trabalhadores.

Numa sociedade em que alguns poucos são proprietários dos meios de produção, outros muitos são obrigados a vender sua força de trabalho, a única mercadoria que possuem, para troca-lá por todas outras mercadorias, torna-se possível a exploração do homem pelo homem. Tal exploração em longo processo aumenta a diferença entre as classes. Como o valor de uma mercadoria equivale ao tempo gasto na sua produção, a partir do momento que os meios de produção evoluem, é necessário cada vez menos tempo para se produzir a mesma coisa; além disso, a divisão manufatureira do trabalho permite ainda mais aumento na produtividade, pois quando se tem muitos homens trabalhando, cada um fazendo uma pequena parte do processo, com o passar do tempo, estes trabalhadores vão se aperfeiçoando, e produzem cada vez mais em menos tempo.

Aquele que vende sua força de trabalho não é o proprietário dos meios de produção e portanto não participa do controle do tempo necessário para a produção da cada mercadoria. Em contrapartida, aquele que detém os meios de produção pode então aproveitar-se desse desenvolvimento tecnológico e explorar o trabalho alheio. O

trabalhador continua trabalhando a mesma quantidade de horas, sem saber que esta produzindo mais do que antes. Este “a mais”, que Marx denomina mais-valia, deveria pertencer ao trabalhador, já que o valor da mercadoria corresponde ao tempo gasto na sua produção, mas destina-se ao proprietário dos meios de produção.

Vemos então que a exploração do homem pelo homem é intensificada pela alienação do trabalho. O trabalhador já não tem mais consciência do que está produzindo, nem do quanto está produzindo, conseqüentemente, não tem consciência de que está sendo explorado. Segundo Marx, essa exploração da mais-valia, portanto do trabalho alheio, destituí o homem de si mesmo, pois ele se afasta daquilo que o torna homem, que é ter consciência, e passa a agir como um animal qualquer. Alem de hoje podermos observar que essa exploração acentuou a desigualdade social.

Por um novo contrato social…

As marcas de duas revoltas populares e, principalmente, duas repressões reais criaram o contexto para que Étienne de la Boétie conceituasse seu repúdio às ações arbitrárias do poder soberano. Assim como Benjamin Constant revelou a deturpação dos ideais da Revolução Francesa em “Sobre a Liberdade dos Antigos Comparada com a dos Modernos”; Étienne de la Boétie confronta o absolutismo monárquico e toda sua legitimidade teórica através de “Discurso da Servidão Voluntária”, onde é possível observar como principais alvos o reinado francês e os conceitos contratualistas de Thomas Hobbes.
Com apenas 18 anos, de la Boétie escreve “Discurso da Servidão Voluntária” em meio a repressão executada pelo exército real contra levantes populares que reivindicavam o fim de impostos sobre o sal e a transferência de depósitos de sal para a fronteira com a Espanha. A ação é marcada pela violência e pela arbitrariedade da vontade do soberano, o que faz Étienne questionar a segurança garantida pela monarquia e todo seu aparato institucional.
Para o autor, a “tirania” do poder real é uma afronta a liberdade individual que a usurpa e só existe na medida em que o próprio povo é iludido a cedê-la a um “organismo” maior. Em outras palavras, os homens seriam muito mais livres e felizes sem as correntes do absolutismo, contudo são levados pelo tirano a se manterem presos. Sob um poder soberano – ou uma “tirania” como ele coloca – os homens estão constantemente ameaçados pelas arbitrariedades e pelas crueldades da vontade de um indivíduo, cujo maior braço de poder é a violência e o monopólio – legitimado pelo povo, mas ilegítimo para o autor – do uso da força.
Não há amizade ou amor entre o tirano e o povo, pois não há reciprocidade, os homens estarão sempre abaixo do soberano e serão sempre obrigados obedecer. “Não pode haver amizade onde há crueldade, onde está a deslealdade, onde está a injustiça.”
Thomas Hobbes dizia que era melhor viver sob as arbitrariedades de um rei do que estar a mercê de violência constante. Haveria uma ordem sob um soberano. Para Étienne de la Boétie, no entanto, o poder soberano absoluto não garante o fim da guerra de todos contra todos explicada por Hobbes. Isso porque – mais próximo do que viria a ser o conceito de estado de natureza rousseuaniano – a natureza humana é dotada de compaixão, o homem possui um instinto de preservação e perfectibilidade da espécie intrínseco e por isso não seria necessária a mediação de um soberano entre os homens, pois estes, ao serem postos num ambiente de total liberdade agiriam de forma a preservar sua espécie e não de destruí-la. A instituição do poder apenas causa a desigualdade e a injustiça; a dominação e a crueldade. O homem estaria melhor se voltasse a esse tempo.
“Se vivêssemos com os direitos que a natureza nos deu e com as lições que nos ensina, seriamos naturalmente obedientes aos pais, sujeitos a razão e servos de ninguém. A obediência que cada um, sem outra advertência que a de sua natureza, presta a seus pai e mãe todos os homens testemunham, cada um por si”.
O autor até compara o homem a outros animas da natureza que são livres e buscam constantemente sua liberdade. Um pássaro só se acostuma a sujeição do homem depois do muito tempo quando o costume se sobressai a natureza.
Não há contrato social para Étienne de la Boétie. O homem não cede sua liberdade a um poder soberano e seu aparato institucional de modo que este o defenda de sua própria natureza belicosa, da iminência de guerra de todos contra todos. E nem o “leviatã” guarda e protege a vida dos homens. Para Étienne, há três razões pelos quais os homens se submetem a força de um tirano. A primeira razão da servidão voluntária é o costume. Neste caso, se encontram todos os homens que jamais conheceram a liberdade, por isso não sabem o que buscar. Eles aceitam como estado de natureza o que apenas seria um estado de nascença.
Estar sob o comando de um tirano deixa os homens fracos e afeminados, essa é a segunda razão da servidão voluntária. Não há prazer em ganhar ou lutar pela liberdade. Os tiranos fazem com que os homens assim permaneçam.
E por fim a terceira razão diz respeito a estrutura pela qual o tirano mantém seu poder: todos os grupos de interesse, todos os homens que conseguem um resquício de poder e mesmo as idéias reproduzidas no âmbito familiar. Essa é a razão mais importante, pela qual todos os homens se tornam tiranos. É como se fosse uma pirâmide tendo o soberano no topo e sendo mantida a cada nível até a base. De certo que aqueles mais abaixo são mais pobres e têm menos poder, mas Étienne afirma que são eles os mais livres e mais felizes.
Em paridade com La Boétie, para Rousseau não há um contrato social, há sim, uma necessidade de um pacto social, ou seja, uma igualdade de direitos onde ocorreria uma cessão voluntária de direitos individuais em prol da coletividade, todos agiriam de forma a respeitar a vontade geral, provendo o bem para todos. Neste contexto o governante escolhido seria um representante do povo, esse governante não seria um soberano, mas um representante da soberania popular, diferentemente de um tirano que impõe o medo a seus súditos e não presta contas a ninguém, como vemos no pensamento de Hobbes. É importante citar que a vontade individual é tentadora e há um risco de degeneração do governo instaurado, por isso, o governante citado por Rousseau deve ser constantemente vigiado para que a vontade geral impere sobre a vontade individual, esse governante, funcionário do governo é também um funcionário do povo, pois este elege aquele.
Dado o exposto, entende-se que ambos Etienne de La Boétie e Rousseau contrapõe-se ao pensamento de Hobbes posto que eles consideram a servidão uma condição a ser mudada pelo uso da racionalidade. Para Rousseau, as pessoas servem porque estão habituadas a isso, nasceram servindo e não se questionam se aquela ação é legítima ou não, adaptam-se a essa sociedade desigual “o homem nasce livre, mas por toda parte encontra-se aprisionado”, com isso ele critica a necessidade de um soberano que faça uma intervenção entre o povo e o Estado, para Rousseau, em Estado de igualdade, o povo é quem deve deliberar suas próprias leis, pois, só ele entende suas necessidades, por isso o governo deve submeter-se a vontade geral e essa vontade é instituinte e deve ser respeitada.
Na visão de La Boétie, o costume como razão para a servidão também é um motivo que legitima o tirano, ele coloca o problema da dominação, para além dos regimes, em foco. Sua obra tem uma propensão de crítica ao político e por isso ao analisarmos o contexto histórico da recepção do texto, temos indícios de seu conteúdo. Logo, como cita Etiénne no Discurso da servidão voluntária : “Se a dominação de um é ruim, a dominação de muitos multiplica o mal”.

O maquiavelismo no governo Mussolini

Benito Amilcare Andrea Mussolini foi um político italiano que liderou o Partido Nacional Fascista e é creditado como sendo uma das figuras-chave na criação do Fascismo.
Escolhemos o início do governo de Mussolini, a subida ao poder e a manutenção deste para exemplificar alguns pontos das idéias maquiavélicas, limitaremos nossa discussão à este período, não abordaremos os anos de guerra e queda do império.
As questões como o amor e o temor, a virtù e a fortuna e até mesmo a unificação italiana, finalidade máxima da obra “O Príncipe”, foram escolhidas por nós como ferramentas para comentarmos os fatos que estiveram presentes durante o governo mussolínico.
Dividimos nosso texto em três tópicos que elucidam cada um, um aspecto do governo de Mussolini pela visão de Maquiavel.
Seguem abaixo as três partes de nosso texto.

Virtù e Fortuna

Maquiavel considerava que um bom governante, deveria fazer bom uso de sua virtù e, com ela, dominar a fortuna. No capítulo XXV de “O Príncipe” Maquiavel compara a fortuna com um rio turbulento que, ao tentar ser domado, destrói tudo o que vê pela frente. Este mesmo rio pode, porém, ser contido, medidas podem ser providenciadas para que os estragos anteriores sejam evitados e é essa a idéia de Maquiavel para o que deve ser feito da fortuna pois, o seu poder se manifesta aonde não há resistência organizada.
A subida de Mussolini ao poder é um verdadeiro exemplo de que, com sua virtù, ele soube domar os caminhos sinuosos do “rio” fortuna.
Não nos estenderemos a falar sobre todo seu governo visto que foi demasiadamente extenso, para exemplar os conceitos maquiavélicos de virtù e fortuna exporemos a subida e a manutenção do poder durante os anos nos quais Mussolini o deteve.
Um exemplo da fortuna na vida de Mussolini pode ser sua primeira filiação política. Aos 17 anos, atraído por sua ala mais radical, ele se aproxima do Partido Socialista. Seduzido por sua vertente revolucionária, foi rapidamente nomeado secretário da federação provincial de Forli e, logo em seguida, tornou-se editor do semanário La Lotta di Clase (A Luta de Classes).
Dentre suas virtùs, Mussolini possuía uma oratória notável e era muito eficaz na propaganda política, com o tempo ele ganha destaque dentro do partido com suas idéias e atitudes, mesmo assim, suas opiniões sobre os enfrentamentos armados da “semana vermelha” , em 1914, motivaram certa inquietude entre seus companheiros, atemorizados por seu radicalismo. Mussolini considerava a guerra como uma oportunidade de incitar as massas à revolução e por isso foi expulso do partido socialista.
Alistou-se no exército – quando a Itália entrou na Primeira Guerra Mundial, aliando-se à Grã-Bretanha e à França – e alcançou a patente de sargento, vindo a ser ferido em combate por uma granada.
Posteriormente, Mussolini quis capitalizar o sentimento de insatisfação que tomou conta da sociedade italiana depois do fim da contenda e chamou o povo à luta contra os partidos de esquerda, responsáveis, segundo Mussolini, pela ruína e, desta, forma criou os fasci di combattimento, grupos armados de agitação que foram o início do partido fascista. Mussolini ganhou a simpatia de grandes proprietários e foi eleito deputado nas eleições de maio de 1921.
Após vários episódios políticos com os quais ele alcançou grande popularidade, sua subida ao poder começa.
Ao subir, começam os discursos fanatistas que aumentam sua popularidade. A respeito das idéias de Maquiavel, pode-se dizer que atitudes maquiavélicas foram por ele tomadas, pois, valendo-se da assertiva de que “tudo vale para a manutenção do Estado”, ele, dentre outras atitudes, assina o tratado de Latrão, pondo fim à questão romana e criando o Estado do Vaticano para assim ganhar o apoio dos católicos.
Em suma, com amplo domínio de suas virtùs, Mussolini controla a fortuna de tal maneira que todos os seus objetivos são alcançados, ele detém o poder até o momento em que se desvia dos ensinamentos maquiavélicos, a partir deste ponto a queda de seu governo é iniciada. Como diz Maquiavel em “O Príncipe”: Quando o homem modifica a fortuna e ainda assim, conserva obstinadamente o seu modo de agir, ele será feliz e, quando seu modo de agir e as particularidades do tempo não mais combinarem, ele se tornará infeliz.

Amor e Temor

Um dos temas mais discutidos e polêmicos até hoje que Maquiavel aborda em “O Príncipe” é a questão sobre “se é melhor ser amado ou temido”. O autor afirma que é essencial que um governante tenha tanto piedade como crueldade, entretanto tem clareza que, se só uma delas for viável, então que seja a última.
Maquiavel explica que em momentos de necessidade os homens hesitam menos em ofender aos que se fazem amar do que aos que se fazem temer, uma vez que o amor rompe-se facilmente diante de conturbações e atritos, enquanto que o temor, o medo do castigo, nunca é esquecido.
Ao analisarmos a conduta de Mussolini durante o regime fascista italiano percebemos que o “Duce” sabia equilibrar muito bem as duas qualidades, mas tinha consciência de que era mais importante ser temido, e fazia isso muito bem.
Mussolini tinha uma liderança carismática, ótima retórica e sabia usar eficientes técnicas de propaganda que seduziam as massas populares. Ao institucionalizar o Corporativismo por meio da “Carta do Trabalho”, o ditador ganhou o apoio dos trabalhadores, visto que até então, as condições de trabalho não eram regularizadas; contudo, tomou tais medidas com a intenção de controlar as ações destes, de modo que todos seguissem os interesses do Estado.
A crueldade de Mussolini o tornou muito famoso, através da forte perseguição que impôs aos seus opositores. Milhares de pessoas foram presas e expulsas do país; o ditador criou a Ovra, polícia secreta fascista, que utilizava os mais terríveis métodos de tortura na opressão aos “subversivos”, bem como um tribunal especial para julgar os casos de ameaça à segurança do Estado.

A Unificação Italiana

“… Virtù contro a furore
Prenderà I’arme; e fia il combatter corto;
Ché I’antico valore
Nelli italici cor non è ancor morto” *

A unificação dos principados italianos sob a constituição de um Estado soberano e a libertação da região do domínio estrangeiro foram os principais objetivos de Maquiavel introjetados em “O Príncipe”. Para ele – e para o agrado da família real – o estabelecimento da ordem sob o controle de uma monarquia absolutista, ainda que com o uso da guerra como estratégia, seria a única maneira de concretizar as duas metas.
No entanto, só foi em 1929, cerca de 400 anos depois de sua morte, com a assinatura do Tratado de Latrão por Mussolini que a Itália realmente se tornou una. Nesse período, entre guerras civis, acordos e disputa de territórios, é possível identificar algumas das “dicas” feitas por Maquiavel e seguidas em parte pelos italianos. As mais notáveis são o uso de armas como meio principal, a separação da Igreja do poder político e a fragmentação do processo.
A unificação da Itália começou com a queda de Napoleão e o estabelecimento do Congresso de Viena (1814 – 1815)** . Entre as diversas clausulas, Alemanha e Itália foram obrigadas a ceder parte de seus territórios para Prússia e Áustria. Com isso no início do séc. XIX a Itália encontrava-se dividida em estados independentes, alguns sob controle austríaco, outros sob comando prussiano e os Estados Pontifícios governados pelo Papa.
Contudo, com a finalidade de retomar os territórios, surgiram diferentes movimentos nacionalistas independentes que abrangiam todas as classes sociais, desde trabalhadores rurais até o alto clero, com objetivo comum de libertar o território italiano da dominação estrangeira.
As principais movimentações foram: ao norte, primeiramente organizadas pelos revolucionários denominados de Jovem Itália e liderados por Giuseppe Mazzini e, mais tarde, consolidadas por Cavour, ministro piemontês e um dos líderes do Risorgimento, com a ajuda de Napoleão III.
E simultaneamente, ao sul da Itália, lideradas por Giuseppe Garibaldi, com voluntários, conhecidos como camisas vermelhas. Uma vez estabelecido o poder sob esses dois comandos, Garibaldi cedeu aos interesses dos piemonteses para que o projeto de unificar a Itália não se enfraquecesse com uma guerra entre as duas frentes.
Com isso, Vitor Emanuel II tornou-se imperador na grande parte dos antigos reinos que formavam a Península Itálica. Ainda faltavam os Estado Pontifícios.
Nessa primeira parte do processo, é importante ressaltar duas características que podem ser observadas em Maquiavel. Uma delas é o recurso da guerra e a outra diz respeito a fragmentação do processo de edificação do Estado.
Maquiavel já dizia: “Justum enim est bellum quibus necessarium, et pia arma ubi nulla nisi armis spes est (Justa, na verdade, é a guerra quando necessária, e piedosas as armas quando apenas nelas se encontra a esperança)”. E, ainda no ensaio XXVI de “O Príncipe”, o autor ressalta a bravura, a fidelidade e a habilidade do povo italiano, faltando-lhe apenas bons líderes, sendo que a fortuna sempre estivera do lado da Itália.

“Além do mais, vêem-se aqui extraordinárias ações de Deus, como ainda não houve exemplo: o mar abriu-se, uma nuvem mostrou o caminho, brotou água da pedra, aqui choveu maná; tudo concorreu pra vossa grandeza. O que está por fazer é tarefa que compete a vós”.

“Aqui há muito valor do povo, embora faltem chefes”.

Esses dois trechos exemplificam a idéia que Maquiavel tinha da guerra pela unificação da Itália. Para ele, tratava-se de um motivo justo pelo qual apoiava Deus e a fortuna, mas que seus líderes ainda não tinha tido virtú suficiente.
Talvez o processo segundo Maquiavel não teria sido regido em duas frentes, pois ao longo de toda obra ele ressalta O príncipe, UM príncipe, no entanto no final desta primeira parte todo poder vai para Vitor Emanuel III.
A última e maior resistência aconteceu nos Estados Pontifícios, onde o papa utilizava de sua influência religiosa para que os fiéis católicos não reconhecessem a autoridade do novo governo. A resistência papal foi resolvida com a ascensão do ditador fascista Benito Mussolini ao governo italiano, que necessitando do apoio da Igreja e dos católicos, assinou com o cardeal Pietro Gasparri, secretário de Estado da Santa Sé (Igreja Católica) o Tratado de Latrão, em 1929.
Este Tratado formalizou a existência do Estado (cidade) do Vaticano, que seria soberano, neutro e inviolável, sob a autoridade do papa, e os privilégios de extraterritorialidade do palácio de Castelgandolfo e das três basílicas de São João de Latrão, Santa Maria Maior e São Paulo Extramuros. Por outro lado, a Santa Sé renunciou aos territórios que havia possuído desde a Idade Média e reconheceu Roma como capital da Itália.
O tratado foi incorporado à Constituição italiana em 1947, com a condição de que o papa deveria jurar neutralidade eterna em termos políticos. O papa poderia actuar como mediador em assuntos internacionais, mas só quando fosse solicitado.
O que fica claro na ação de Mussolini é o uso do “príncipe” de sua virtú para subjugar o poder da Igreja e atingir seu objetivo político. Assim como em “Madrágora” Ligúrio e Calfúcio negociam com o frei Timóteo para “ludibriar” Lucrecia com base na Bíblia. Mussolini foi capaz de negociar o tratado de Latrão e manter o Estado papal sob controle da Itália.

* (A virtude tomará armas contra o furor e será curto o combate, pois o antigo valor ainda não está morto nos corações italianos)
** Conferência entre as potências vencedoras da batalha contra o Império de Napoleão, que ocorreu entre 01 de Outubro de 1814 e 09 de Junho de 1815.

Ordem, estabilidade e bem comum

Por lucas hirata

O estabelecimento de uma ordem social é o principal objetivo da política, no entanto quando voltada para o bem comum essa mesma ordem deve ser fundada sobre os ideais de durabilidade, estabilidade e todas as características que os envolvem.  O conjunto de normas de conduta e leis institucionalizadas – impostas por um ser supra humano ou/e introjetadas em cada indivíduo – possibilitam a socialibidade entre os homens uma vez que evitam a guerra de todos contra todos e privatizam a uma estrutura externa todo o fardo do direcionamento da responsabilidade ética.

Contudo, o que livra a sociedade de organizações políticas opressoras, viáveis pela imposição de leis e normas, é justamente o foco na estabilidade. Para que uma ordem dure ao longo do tempo devem ser levados em consideração os valores que regem o grupo e o contexto ao qual estão inseridos. Se a religião e a moral religiosa são as características fundamentais de uma sociedade, a ordem não pode despreza-las. Da mesma forma acontece no ocidente contemporâneo: os indivíduos não aceitam viver sem democracia, voto e poder de escolha. Caso os valores sejam excluídos, a ordem se torna instável, levando a revoltas constantes e coletivas. Neste caso, quando os elementos e valores fundamentais de uma sociedade são feridos ou esquecidos, não é possível pensar numa estabilidade e muito menos num bem coletivo. A ordem instável não deixa de ser uma ordem, mas permite opressão e esquece o bem estar coletivo.

Para a política, o bem comum é a ordem?

Difícil falar num bem comum quando estamos tratando de sociedades compostas por um elevado número de pessoas, e conseqüentemente, uma enorme diversidade de opiniões e valores. Contudo, se determinadas regras não fossem estabelecidas, cada indivíduo, com suas opiniões e valores pessoais, poderia fazer o que bem entendesse e, além da instalação do caos, muito provavelmente, teríamos a imposição da vontade dos mais fortes (e aqui estamos falando de força física).

A ciência política surge então no intuito de organizar e administrar as relações sociais em determinado território, ou seja, instituir uma ordem, de modo que todos possam desfrutar dos mesmos direitos e deveres; portanto, pode-se dizer que sim, de certa forma, para a política, o bem comum é a ordem.

Entretanto, o que vemos acontecer na prática é uma simples substituição da minoria que dita as regras; se antes era a força física o fator determinante, hoje podemos falar em força econômica. Sendo assim, a vontade de poucos continua sendo imposta sobre a dos demais, tornando evidente que, o “bem comum” só existe no plano das idéias.

Por Marina Lury Bombana

Para a política, o bem comum é a ordem?

Creio que o conceito de bem comum é subjetivo, amplo e abrange várias implicações.
Segundo a lógica aristotélica, toda a ação visa algum bem, portanto, na política esta afirmativa não poderia ser diferente. Seria esse bem, então, a ordem?
A finalidade maior de um Estado é a manutenção da ordem, isso não significa, porém, que ela deve ser imposta, como em regimes ditatoriais. No campo político, as decisões de um Estado deveriam ser tomadas, sempre, visando o bem comum e não os interesses de um único ser. Alguns regimes políticos justificam seus despotismos com a desculpa de estarem visando os interesses de toda a população e, com a ordem, acreditam, ou, querem que acreditemos estarem atingindo este bem.
Ditaduras são regimes de ordem e, há exemplos como o do regime cubano e de países do mundo árabe em que as necessidades, o bem comum da população, não é, necessariamente, alcançado, pelo contrário, aqueles que não concordam com o governo vivem reprimidos e frustrados.
Não acredito que, para que uma sociedade possa desfrutar dos benefícios que um regime político pode trazer, precise viver privada do livre arbítrio que um governo ditatorial, mantenedor da ordem poderia impor.

Por Maíra Macário de Brito